O que significam as vestes e as cores litúrgicas?

O homem revestido por um ato de liberdade renuncia a sua pessoalidade para assumir o divino que representa (in persona Christi) nos seus gestos, nas suas atitudes e nas suas palavras.

O que são vestes litúrgicas?

A veste litúrgica serve para transformar os sacerdotes na figura divina por meio de vestes diferentes das do cotidiano. Ela é o meio pelo qual o ministro desaparece deixando lugar a Cristo, possível graças ao Espírito Santo; é o sinal externo da disponibilidade de ser usado por Deus.

A história das vestes litúrgicas

As vestes litúrgicas cristãs não encontram sua raiz nas Sagradas Escrituras no Antigo Testamento, como muitos imaginam, mas no mundo greco-romano.

No contexto bíblico, a referência às vestes, tanto no cotidiano quanto no culto, tem conotação importante. No cotidiano, antes de tudo, o vestir está ligado à vergonha pela nudez (cf. Gn 3,7-21); em alguns casos tem valor legal e as vestes são usadas para indicar predileção, status e riqueza pessoais; pode ter sentido metafórico, simbólico, indicando um estado emotivo, de transitoriedade da vida e de todas as coisas; mudança radical de status, de vida; renunciar a vestes que não lhe são próprias é sinal de reconhecimento da sua própria identidade; receber uma veste também significava entrar no seguimento, no discipulado, de um mestre; rasgá-las era sinal de luto, de grande tristeza e desgraça, de indignação e cólera.

No contexto religioso, a mais antiga veste sacerdotal no Antigo Testamento parece ter sido o ‘ēfōd bad, talvez uma túnica curta ou uma simples tanga. Tanto Samuel quanto Davi usam-no em uma função litúrgica (1Sm 2,18; 2Sm 6,14).  Nesta vestimenta, tudo deveria resplandecer como uma “obra de arte”, confeccionada por artesãos hábeis que o Senhor tinha enchido de espírito de sabedoria (cf. Ex 28,3). Os paramentos não tinham fim em si mesmos, mas serviam para a consagração do sacerdote.

No Novo Testamento o uso das vestes está ligado ao cotidiano (cf. 2Tim 4,13; Mc 14,50-52), às vezes, figurava como extensão da própria pessoa (“segunda pele”): tocar as vestes de Jesus era como tocar no seu corpo, as pessoas eram curadas (cf. Mt 14,36; Mc 5,25-34); tirar as vestes era despojar a pessoa dos seus últimos direitos e possibilidades (cf. Mt 27,35; Mc 15,24; Jo 19,23-24).

Qual a função da veste litúrgica?

O caminho da “transvestimenta” é uma via privilegiada do encontro do homem com o divino. O homem revestido por um ato de liberdade renuncia a sua pessoalidade para assumir o divino que representa (in persona Christi) nos seus gestos, nas suas atitudes e nas suas palavras.

A veste sacra, tão diferente de um povo para outro povo e de um país para outro, tem sempre um elemento comum: por ela, tanto o celebrante como o participante encontram facilidade na ligação profunda e íntima com o divino.  (Sara Piccolo Paci)

É função primordial da veste ocultar a visibilidade e a tangibilidade imediata do corpo humano.  A veste litúrgica, que cobre o corpo do ministro, exprime a consciência de submissão a Deus e de submissão à Igreja.

A veste branca é dada àquele que se tornou “uma nova criatura” porque revestiu-se de Cristo (cf. Gl 3,27; Rm 13,14). Essas palavras bíblico-rituais definem o mistério do Batismo e, consequentemente, da veste batismal. Do ponto de vista teológico, a verdadeira “vestição” está no ato do Batismo. Porque foi revestido de Cristo no Rito Batismal, o neófito pode assumir a veste branca, símbolo de Jesus Cristo, do qual foi revestido.

No culto da Nova Aliança, todos os batizados são associados a Cristo até ao ponto de serem transformados nele, para fazer de tal modo que eles assumam os traços da sua personalidade. Tudo isso se expressa por meio do sinal da veste, pela qual se torna Cristo, revestindo o homem novo (Cl 3,10).  A veste batismal é o símbolo da inesperável relação entre céu e terra que vive o batizado, porque Cristo, revestindo-se da nossa carne humana, revestiu-nos da sua divindade.

A veste branca do Batismo não cria nem assinala uma contraposição entre interioridade e a visibilidade do culto, entendido como algo externo, ou vida cotidiana; pelo contrário, ela revela um estado permanente, uma nova dignidade dada à humanidade que não é assumida ou demitida de acordo com as ocasiões, pois o renascido pelas águas lustrais do Batismo e revestido das vestes reluzentes deve levar a veste branca sem mancha para a vida eterna (RICA, n. 225; RB, n. 151).

Qual a origem das vestes litúrgicas?

Quanto à história das origens do vestuário litúrgico cristão, todos os estudiosos são unânimes em afirmar que esta não deve ser procurada nas vestes sagradas do Antigo Testamento, como pensavam os medievais, mas no modo de vestir-se do mundo greco-romano.

Na Igreja nascente dos primeiros cinco séculos, os ministros usavam o vestuário do cotidiano. Embora não disponhamos de testemunhos explícitos, temos as indicações artísticas das pinturas das catacumbas. Crê-se que o uso indistinto das vestes, tanto na vida social, quanto na vida litúrgica, no ambiente greco-romano, era determinado por causa das perseguições. Tal indistinção se manterá na Igreja mesmo depois da “Paz Constantiniana”, promovida pelo edito de Milão de 313, que dava liberdade de culto aos cristãos. Mais tarde, porém, apelar-se-á para a dignidade, desejando que as vestes do culto sejam “de tecido mais bonito do que o ordinário”. Excluía-se, em todo o caso, as vestes militares e as de trabalho.

Em ambiente judeu-cristão, por sua vez, evitava-se, para as celebrações, qualquer forma de “paramento” por causa do conceito de “escatologia realizada” da Igreja primitiva, isto é, a ideia de que Cristo estava voltando, já se encontrava às portas. À tal concepção somava-se a compreensão cristã de culto, sacerdócio, altar e templo (Hb 8–10,1-35), além da necessidade de distanciamento do judaísmo e do paganismo.

Pode-se supor que os ministros reservavam para as celebrações litúrgicas as vestes melhores e de maior beleza, talvez destinadas para tal fim, não por causa da forma, mas por causa do valor.

As primeiras iniciativas de distinção entre vestes civis e vestes para o culto encontramos na Igreja da Gália (antiga região francesa).

Com as invasões bárbaras nos fins do VI século, dá-se uma mudança no vestuário; tudo se torna um pouco mais curto, provocando uma reação de enrijecimento e de conservadorismo de algumas vestes para o uso litúrgico, acentuando a diferença entre as formas civil e litúrgica.

Durante o período do Império Carolíngio (800-924) e em todo o período do feudalismo (entre os séculos IX-XIII), em função da expressão do poder, a partir das lutas entre a Igreja e o Império, na virada do milênio, algumas tipologias de vestes litúrgicas, especialmente as pontificais e da hierarquia eclesiástica, conheceram maiores desenvolvimentos.

Os séculos XVIII e XIX, marcados pelo Iluminismo e pela secularização, assistem a uma tensão entre tradição e modernidade. Especialmente na Inglaterra e na Alemanha, assiste-se às primeiras tentativas de retorno às formas mais originais dos paramentos autenticamente tradicionais, do primeiro milênio. Em muitos países da Europa, tais como Itália, Alemanha e Bélgica, sob forte influência do Movimento Litúrgico, difundiu-se o uso das formas mais primitivas dos paramentos.

Cores das vestes litúrgicas

Na Igreja, as vestes litúrgicas não tiveram, inicialmente, cores particulares, com exceção de certa preferência pelas roupas brancas ou claras, símbolo do Batismo e da vida nova.

Branco

O valor simbólico do branco foi explorado desde a Antiguidade: em muitas civilizações, simboliza o divino e as qualidades vinculadas à luz, sendo também sinônimo de limpeza e de pureza (física e espiritual). O branco é também a cor da beleza e do júbilo. Inocêncio III diz que a cor branca é adequada para as festividades em louvor dos Confessores e das Virgens, pois simboliza a integridade e a inocência.  Nos ritos pré-cristãos, vestir-se de branco é um sinal do desejo de entrar em comunhão com a divindade. Cores associadas ao branco e à sua simbologia são sobretudo o prateado e o dourado. Para São Gregório, o dourado das vestes sacerdotais representa a inteligência recebida da parte de Deus. Esse valor passa ao Batismo cristão.

Preto

A cor preta tem valor simbólico muito rico e com significados aparentemente contraditórios, uma vez que pode ser percebida como uma cor nefasta e funesta, assim como pode ter significados positivos, referentes a despojamento e contrição. Na Bíblia, a cor preta é símbolo das trevas da noite e da mente, da ambiguidade da maldade e da iniquidade, a cor da privação, da ausência e do luto (cf. Ex 10,21-29). Para São Cipriano, roupas pretas são sinal de luto e, para Santo Agostinho, o preto é o pecado e o sofrimento.  A respeito do preto, o Papa Inocêncio III afirma ser a cor da aflição e da abstinência pelos pecados e pelos falecidos.  Fora do âmbito litúrgico, porém, ainda no âmbito das vestes eclesiais, as vestes pretas ou de cor escura eram consideradas roupas de humildade e de penitência. A cor preta chegou a assumir também o valor de ortodoxia e também de severidade moral e de vida exemplar. Isso explica por que a cor preta será adotada com muita frequência nas vestes dos religiosos e clérigos.

Roxo

Seu uso no Tempo do Advento e, sobretudo, da Quaresma é indicado não apenas com o significado de aflição, como poderíamos pensar, mas como cor da espera da Glória, estabelecendo seu caráter de passagem.

Rósea

Assim como o roxo, a cor rósea é uma cor de transição, resultante do roxo escuro mesclado de dourado, ou seus equivalentes: prateado ou branco. É a união da espera (roxo) com a festa (branco).

Vermelho

O vermelho é símbolo da energia vital representada pelo sangue. São Gregório Magno, por exemplo, diz, em relação à púrpura, que “o coração sacerdotal deve ter como alvo a nobreza de uma contínua regeneração interior e defender, com seus costumes, o hábito do reino celeste, que é nobreza de espírito”.  Inocêncio III diz que “se deverá vestir roupas vermelhas nas festas dos Apóstolos e dos Mártires, pelo sangue de sua paixão que derramaram por Cristo; e também para a solenidade de Pentecostes, em referência às línguas de fogo do Espírito Santo”. 

Verde

Uma das cores mais comuns e mais visíveis na natureza, o verde vivo e brilhante indica as características exuberantes da vegetação no seu esplendor. A cor verde significa, portanto, a ideia de fertilidade, abundância, renascimento (em latim, viridis), vigor físico (viriditas) e nutrição (virilitas). No âmbito cristão, alinhado com o tempo comum, tempo da espera e da esperança na ressurreição, e, portanto, também a cor da fé. Um autor do séc. XVII relaciona o uso de roupas litúrgicas verdes pelo Papa “por serem símbolo de esperança”.

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